quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Capitulo 4


Ainda atônito com o que ouviu após ter estado em puro êxtase, João de Castro voltou à sua cama. Deitou-se. Porém, não acreditava que na noite que seria a mais feliz da sua vida estava a sentir um vazio dentro do peito, como se nada mais de pior pudesse acontecer e o mundo inteiro estivesse paralisado. Cobriu-se com o lençol e ficou a olhar para o canto do teto. Apenas alguns segundos depois as lágrimas começaram a escorrer do seu rosto. Controlou-se o que pode para que Luis não percebesse, mas este já dormia e nada escutou.
No outro dia não voltaram ao assunto. Na realidade, nem conversaram e foram embora do sítio sem trocar uma palavra. Claro que os pais de Luis perceberam que algo estava estranho, mas, obviamente, resolveram não mexer no assunto.
A semana passou e Luis estava pronto para viajar. Seus vizinhos organizaram uma despedida na casa de um deles, mas João não apareceu. Clara não vira João desde a semana anterior e não conteve-se:
- Luis, o João não vem?
- Não sei. Parece que não.
- Aconteceu alguma coisa entre vocês?
- Ah Clara, não enche que eu to aqui pra me divertir.
No outro dia Luis foi embora e Clara foi procurar João. Os homens, com raras exceções, são mesmo estúpidos! Todos os amigos em comum de João e Luis não perceberam a ausência dele na festa, como também não perceberam o seu silêncio e o seu isolamento durante os últimos dias. Clara Assunção não precisou que ninguém dissesse nada e já sabia que entre os dois havia algum problema.
Quando chegou a casa de João recebeu da mãe do menino a notícia de que este estava a dormir desde a tarde anterior e achava melhor que Clara o procurasse no outro dia na escola. A menina aceitou contrariada a justificativa da mãe de João e esperou o dia seguinte. No entanto, João não foi à escola na segunda e nem na terça-feira. As sete da manhã de quarta, Clara ficou na porta da casa de João e viu quando este saiu normalmente com o uniforme e o material.
- Vais matar aula hoje de novo, João?
- Clara, você não devia...
- Me diz pra onde tu estás indo que eu vou junto.
- Ao Horto.
- Então vamos.
No caminho para o Horto Florestal João não disse nada. Claro que Clara Assunção tentou puxar assunto de diversas maneiras, mas ele limitava-se aos monossílabos sim e não. Caminharam bastante ao redor do lago, entraram por trilhas e quando pararam para descansar um pouco ela foi direto ao assunto.
- Sei que tu não estás bem e tenho a certeza de que algo aconteceu entre ti e o Luis. Seja o que for, saiba que eu to aqui pra te ajudar, João. Sei o quanto é difícil guardar algo que está nos fazendo mal, mas também sei que ao falar é como se uma tonelada fosse tirada...
João de Castro desabou. Chorava copiosamente, como a criança no colo da mãe a pedir o leite ou querendo dormir. Chorava tanto que já soluçava e mal conseguia respirar. Clara pegou no seus cabelos e com a outra mão pressionou o peito do amigo com movimentos circulares. Aos poucos João acalmou-se e Clara aproximou o seu rosto ao dele. Com pena do amigo deixou que seus lábios tocassem nos dele. Como João não reagiu, Clara passou a beijá-lo como desejara há muito.
O Horto Florestal encheu-se de vida. O céu abriu de repente e os pássaros começaram a cantar. Era a primavera que chegava no exato instante em que Clara Assunção e João de Castro beijavam-se pela primeira vez. Foi a primeira de um namoro que durou dois meses. João sentia-se bem ao lado dela. Era querido e amparado e Clara admirava a calma e o respeito que ele lhe oferecia. Em dois meses não teve nenhuma tentativa de avançar nas carícias e o fazia apenas quando ela o conduzia.
Tinham um relacionamento perfeito, pois ambos se faziam bem e nutriam respeito mútuo, nunca imaginado por nenhum dos dois numa relação com Luis Guimarães. Já diziam as gerações passadas: "por fora bela viola, por dentro pão bolorento". De fato, João se sentia bem ao lado de Clara, mas após dois meses percebera que o que nutria por ela não era paixão e desejo. Talvez um amor verdadeiro, mas destes que não são mais do que um amor de amigo e não de casal. Toda vez que Clara o beijava sentia um certo incômodo, como se não precisasse disso para continuar ao lado dela. Por duas vezes tentou terminar a relação para não iludi-la, mas não conseguia magoá-la desse jeito.
Uma noite, das muitas agitadas que teve enquanto dormia, sonhou que Luis e Clara discutiam, mas ele, João, via tudo de longe e não conseguia entender o que falavam. Via passar pela mão de ambos um porta retrato e a discussão acabou quando Luis arremessou-o ao chão. De repente os dois já não estavam mais lá e ele chegou perto do porta retrato. Ao pegá-lo do chão viu sua foto vestindo uma batina.
Acordou assustado, mas em seguida sentiu a paz e a tranquilidade que buscara desde a noite com Luis. Queria sentir aquilo sempre e, na manhã seguinte, anunciou a sua mãe: iria para um seminário.
É claro que não estamos aqui para estudar ou decifrar os sonhos de João de Castro. Mesmo porque o autor não se sente preparado para isso e sabe ter gente no mundo da psicologia muito mais capaz de tentar fazê-lo. O fato é que João se apegou a um sonho para fazer o que muitos de nós fazemos em situações emocionalmente difíceis: fugimos. Inventamos uma desculpa qualquer ou nos apegamos a pequenas coisas que nos permitam fazer o que nos parece ser a maneira mais simples de resolver tudo. E, é claro, a fuga nem sempre é física como a de João. Pode vir em diversas formas. Há mulheres que após perderem um filho prematuramente engravidam rapidamente para não ter de enfrentar a dor da perda. Existem pessoas que terminam um relacionamento por não quererem enfrentar os medos e a sua própria insegurança. Há aqueles que para não ter de enfrentar a rejeição preferem fugir do encontro que os levaria a conhecer o seu verdadeiro pai.
A fuga, muito provavelmente, é instintiva e não racional. Por isso mesmo, é muitas das vezes usada por nós, seres humanos. Mas, desejos e sentimentos não se apagam com o tempo. Não se vão com o sopro do vento ou a força da tempestade. Podem ficar escondidos , às vezes por um breve momento, as vezes por um longo tempo, mas eles voltam. E uma hora precisam ser enfrentados para serem resolvidos e para que possamos seguir em frente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário